Despertar de um operário
Por Lark Lapato
Ele até tentou ser cidadão de bem
Estudar, trabalhar, sem atrapalhar ninguém
Ele tentou ser um cara correto
Desses que fecham os olhos para o que não tá certo
Convivia com brigas dentro de casa
E na rua tinha a polícia nas suas pegadas
Ainda assim não vacilava se puxava na escola
Do tipo que estuda mesmo se não tem prova
Ainda muito cedo conseguiu um trampo
Vendendo bala no sinal ele foi se virando
E a vida virando, só que nada mudava
Ele obedecia sempre que alguém mandava
Sobrou uma vaga na fábrica
E lá foi nosso amigo
Virar operário de um sistema falido
Ele fez vestibular e até não foi mal
Conseguiu uma vaga lá na Federal
Mas fez só duas cadeiras por causa do trabalho
Afinal é puxada a vida do operário
Ele se esforçava no trampo, mas continuava invisível
No meio de tantos, era só mais um níquel
E Um dia voltando para casa bem tarde
Foi abordado por um cara covarde
Que apontou uma arma na sua cabeça
Pediu a carteira e exigiu etiqueta
Ele não tinha nada, nem dinheiro, nem arma
Ainda assim levou uma surra pra respeitar a farda
No outro dia no trabalho teve corte de despesa
Uma pá de colega foi jogado na sarjeta
O patrão aumentou a velocidade das máquinas
E não sobrava mais tempo nem pra coçar a cara
Na semana seguinte mataram um trabalhador
Teve revolta na favela e seu ônibus parou
Porque a polícia matou outro cara inocente
Um pai de família, gente da gente
Na Universidade, picharam de novo o banheiro
Escreveram bem grande ‘não queremos pretos’
‘Volte pra senzala cotista nojento’
O professor no outro dia deu discurso
Dizendo que achava errado sustentar vagabundo
Que eram todos iguais, e era contra privilégios
Brancos ou pretos que entrem aqui por méritos
Nosso amigo encheu os olhos de lágrimas
E mais uma vez decidiu não falar nada
Seguiu sua vida, só foi pra casa
E quando chegou mais uma vez não tinha água
De manhã acordou com a casa inundada
Tinha esgoto até dentro da sua sala
Não deu tempo nem de tomar banho
Ele botou uma roupa e partiu pro trampo
Novo corte de despesa, mais gente na rua
O patrão pediu mais umas horas suas
Ele obedeceu e até agradeceu
Afinal o tempo já não era seu
Um dia mais uma vez voltando pra casa
Foi emparedado por um homem de farda
‘Sou trabalhador, não fiz nada de errado’
‘Isso eu que decido seu preto safado’
‘Eu só tava vindo da faculdade senhor’
‘Fica quieto preto, tu pensa que é doutor’
‘Tu não é nada vai morrer agora,
Chora vagabundo chegou tua hora’
‘Por favor senhor me deixa ir embora eu to implorando’
‘Ajoelha vagabundo e vai se virando, agora não adianta ficar arrependido
Entende que tu é só mais um preto fudido’
O bandido disparou, mas a arma falhou
‘Tu tá com sorte pretinho, Deus te salvou’,
Naquela noite chorando ele não pode dormir
E a injustiça foi fazendo ele ressurgir
Não queria mais polícia, não queria mais patrão
Não queria dizer sim, quando devia dizer não
Não queria mais ser xingado na facul ou na favela
Não queria mais ouvir que seu lugar era na cela
Lembrou o que ouviu uma vez de um colega
Que o patrão não fazia favor, ele ditava as regras
Ele roubava cada minuto do seu dia
E começou a fazer sentido tudo q um tal Marx dizia
Ele leu lá na faculdade, um livrinho pequeno
Mas que lhe deu coragem naquele momento
Cada palavra era como um alívio
Na vida de um operário sofrido
‘Não temos nada a perder a não ser nossas amarras’
Ele sorriu e pensou é hora de ir pra farpa
Quero lutar pra ser livre de verdade
E quero que todos tenham a mesma liberdade
Quero que a nossa produção seja dividida
Que trabalhemos pra ter uma outra vida
Pesquisar para curar doenças e não pra vender remédio
Construir casas pra moradia não pra valorizar os prédios
Vamos produzir comida pra matar a fome
Não pra explorar o homem pelo homem
Nosso amigo se juntou a outros operários
E fizeram uma greve não só por aumento de salários
E Contra as demissões,
Eles já não aceitavam as migalhas dos patrões
Ele e seus amigos viram o que quase ninguém via
Que tudo que tem no mundo o operário produzia
E rolou ocupação, foram pra dentro da fábrica
Porque não precisavam de patrão pra operar as máquinas
Rolou revolta, rolou repressão,
A polícia invadiu de arma na mão
Mas eles, áhhh eles tavam preparados
E botaram pra correr os polícias safados
Teve vários machucados, mas continuaram vivos
Pois uma ideia não morre nem com milhões de tiros
Outros trabalhadores viram o exemplo de heroísmo
E começaram a ver tudo que é possível
Diversas greves e fábricas ocupadas
Os estudantes apoiavam também levavam pedrada
Ônibus parados, até os bancos fecharam
A comunidade começou a levar tudo dos mercados
Era o início do fim de um sistema falido
Trabalhador ia dando adeus a merda do capitalismo
O Estado repressor tentou trazer reforços
Mas nós estávamos armados até os ossos
De teoria Marxista, Leninista e Trotskista
E cada ocupação era um organismo em vida
Tinha grafite, tinha poesia, tinha aulas de música, tinha teoria
Tinha estudante, tinha professor, todo mundo produzindo
Para todo o trabalhador
Nesse dia foi surgindo outro modo de viver
Ninguém mais acreditava no que passava na TV
Criaram-se canais dentro das ocupações
E essa foi a principal troca de informações
Já não havia pressão, já não havia salário
Já não havia patrão e empregado
Todo mundo trabalhava, todo mundo consumia
Já não havia fome, não havia covardia
Todo mundo tinha casa, todo mundo estudava
Já não havia mais nem os homens de farda
Parece até um paraíso, mas era só o início
Do fim da mais valia, do fim do capitalismo
Assim ia nascendo essa outra sociedade
Seria a volta do messias? seria algo divino?
Não meus amigos era apenas o socialismo
Essa história é fixação, ou será premonição
Será estória, ou história, será verdade ou não?
Será o futuro ou o presente, será que a nossa opção?
Isso depende da gente, arrancar as correntes
Ou continuar na prisão