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20 Anos

Lark Lapato

Um passo apertado

Um pé depois do outro

Meio que empurrado, meio que afoito

 

Lá fora gritos e barulho

Mas nada contém, os passos no escuro

Aqueles que empurraram, que quiseram entrar

Agora saem de lá

 

Batem a porta

Alguns tentam correr antes que a luz vá embora

Mas é tarde demais

O que ficou para trás, virou só memória

 

O túnel é apertado, é escuro e molhado

Não dá para enxergar nada marcado

É preciso ir em frente, mas tem tanta gente

Que se esbarra e nem sente

“E se alguém ficar doente”

Gritou uma voz no fundo

Lá de fora vem um sussurro

“Dá pra pagar um médico, já pensou em fazer um seguro?”

 

O povo segue e alguns ensinam os outros

A retirar a terra, a colher a água

A produzir uma pá de coisa cara

Tudo isso é mandado lá para fora

No túnel mesmo só ficam as sobras

“Quando falta para chegar na saída?”

Grita algum desavisado

“Faltam 20 anos”, responde alguém apressado

 

E quando a gente sair será que o mundo vai tá melhor?

Vai ter escola para todos?

Saúde pra pais e avós?

Vai ter trabalho e repouso?

Vai ter um canto pra nós?

 

Lá fora gritam,

“Sim! Só continuar trabalhando”

“Mandem tudo para cá, que nós estamos guardando”

 

De repente, alguém tira uma lasca do túnel

Sai um feixe de luz, é possível enxergar lá fora

E o que veem são rios azuis

 

Há frutas a vontade, sem veneno, sem contagem

Há muita comida, bebidas e aves

Tem saúde, tem educação, as crianças sorriem

Os adultos andam sem pressão

 

Os que viram o que acontecia

Correm para contar aos outros

Como está a vida lá fora

Não, ‘ não há cordas no pescoço’

O povo se apavora

E chama os que enxergaram de loucos

Alguém fecha o buraco

E não há mais provas, só choro

 

Movidos pelas promessas

As pessoas seguem com esperança

Cegamente trabalham dos adultos às crianças

 

E os que viram a verdade

E tentaram mostrar a todos

Hoje são perseguidos,

“vagabundos, gangster, loucos”

Gritam os lá de fora

 

A voz ecoa no túnel, respondem em coro

“vagabundos, gangster, loucos”.

Alguns acabam mortos, outros internados

Aos poucos as pessoas esquecem o passado

 

Ninguém lembra mais de como era antes do túnel

Nem sabe por que estão caminhando

Esqueceram até da promessa dos 20 anos

Mas ninguém para de caminhar

Por uma questão de sobrevivência

Quem cai é pisoteado, no túnel não tem clemência

Mas uma das pessoas que viu como é lá fora

Conseguiu fazer outra acreditar

E a cega caminhada, sem sentido, sem parada

Ganha novo ‘caminhar’

 

Um pequeno feixe de luz começa a aparecer

Há um desvio no túnel, mas poucos conseguem ver

Está presente para todos, mas é preciso sobreviver

É difícil prestar atenção, quando a ordem é correr

 

A luz é só faísca, mas pode pegar fogo

Uma pessoa perde o fôlego

Mas se a multidão soprar?

Esquecer os lá de fora

Mandar o medo embora e começar a incendiar

 

A luz vai ser tamanha que será possível enxergar

Que todo esse sacrifício é pra minoria lucrar

O trabalhador segue sem nada, vivendo de trabalhar

Aqui dentro só trabalho, lá fora só aproveitar

 

Enquanto esse dia não chega

Que as pernas agüentem caminhar

Pois 20 anos tá distante

E a gente acaba de começar

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